Alimentar rancor, vingança, ódio é o pior que podemos fazer a nós
próprios. Perdoar, diz a ciência, faz-nos mais felizes e torna-nos mais
saudáveis. E, afinal, não é isso tudo o que queremos?
O perdão, tradicionalmente estudado pela filosofia e um dos tópicos
prediletos da teologia, há muito que saltou também para o campo da psicologia e
da ciência. E esta defende que perdoar é o melhor remédio.
A forma mais objetiva de definir perdão é como processo mental que
elimina ressentimentos ou rancores em relação a outra pessoa ou a nós próprios.
Mas talvez a mais poética seja esta que Fred Luskin, o diretor do Stanford
University Forgiveness Project propõe: perdoar é a experiência de poder estar
em paz, independentemente do que aconteceu na nossa vida há cinco minutos ou há
cinco anos. Perdoar não é esquecer, é viver tranquilamente com o que não se
esquecerá. «Tal como é estudado na psicologia, é um ato de amor e compaixão
para com alguém cujo procedimento nos magoou, mas também uma forma de nos
libertarmos de sentimentos de vingança e ressentimento, que geram emoções
negativas», diz a psicóloga Catarina Rivero.
É também importante, no entanto, perceber aquilo que o perdão não é: não
se trata de esquecer ou aceitar as injustiças que nos são dirigidas. «É um
processo de olhar para além dos atos e comportamentos dos outros, centrando-nos
na importância da nossa libertação emocional, recusando ser prisioneiros de
emoções que podem ser destrutivas», continua Rivero. Expressão chave a reter:
emoções que podem ser destrutivas. O rancor é cansativo. Desgastante. Suga
força e energia. De tal forma que, no limite, pode pôr-nos doentes, não só
psicológica e emocionalmente, mas também fisicamente. A boa notícia é que, na
realidade, como a falta de paz e o rancor são provocados por nós – não pelo
outro –, não dependemos de ninguém para remediar a situação. «A investigação
tem vindo a demonstrar correlações positivas como maior bem-estar subjetivo
(geralmente considerada como felicidade), menores níveis de depressão e
ansiedade, bem como menor abuso de substâncias, quando se perdoa. Verifica-se
ainda uma tendência para maior harmonia ao nível das relações familiares», diz
Catarina Rivero.
Impõe-se um parêntesis que contextualize estes e outros estudos sobre o
perdão realizados na área da psicologia positiva. Sobretudo, para que nada
disto se confunda com algumas crenças desprovidas de bases científicas
características da filosofia New Age. Na realidade, a psicologia positiva nasce
de uma constatação que só peca por tardia: a psicologia há décadas que se
dedicava a investigar quem estava deprimido, quem tinha fobias, quem não
superava traumas e todas as outras pessoas com as quais alguma coisa não estava
bem. No entanto, não sabia nada sobre as pessoas funcionais, aquelas que,
apesar dos reveses da vida, estavam mentalmente saudáveis, eram otimistas e
conseguiam ser felizes.
Foi psicólogo Martin Seligman, algures no não muito longínquo ano de
1998, durante a sua presidência da American Psychological Association, que
começou a chamar a atenção para esse assunto, perguntando qual o sentido de
insistir em centrar a psicologia só no transtorno, na disfuncionalidade, na
doença. Assim começou a ganhar expressão novo campo de investigação, a
Psicologia Positiva, que olha para as pessoas não só nas suas limitações e
dificuldades, mas também nos seus sucessos: na superação das adversidades, nos
recursos de que se valem, nos processos de adaptação positiva que fazem.
E adivinhem: temos aprendido muito com isso. Por exemplo, que o perdão
pode ser terapêutico.
Um estudo chamado «Perdão e Saúde Física», realizado pela Universidade
do Wisconsin, demonstrou que perdoar pode ajudar os indivíduos de meia-idade a
evitar doenças cardíacas, outro, levado a cabo na Universidade de Stanford,
mostrou que o perdão pode promover também uma diminuição significativa de
sintomas como insónias, náuseas, falta de apetite e dores de cabeça e de
costas.
Perdoar não é fácil. Talvez porque nas nossas cabeças, o foco do perdão
está no outro, não em nós. E repare-se como a lógica subjacente a não perdoar
tende a ser tautológica: não perdoamos porque o que foi feito é imperdoável.
Mas a realidade é que por detrás da rejeição ao perdão estão muitas vezes
crenças poderosas acerca do que ele representa: humilhação, fraqueza,
perpetuação da injustiça. Somos levados a pensar que perdoar é abrir a porta a
uma nova ofensa, é ser palerma, « bonzinho», ingénuo ou até ter falta de
coragem e de determinação. E assim vamos sustentando e alimentando a raiva.
No entender de Helena Marujo, professora do Instituto Superior de
Ciência Sociais e Políticas, cuja principal área de investigação é a Psicologia
Positiva, a tendência anti-perdão é também uma tentativa de luta contra o esquecimento.
«O preconceito emerge porque receamos – e muitas vezes com razão – que o perdão
apague da nossa memória individual e coletiva as atrocidades, injustiças,
violências, desumanizações. Para uma espécie racional como a nossa, o sentido
de evolução é essencial, se achamos que ao perdoar passamos uma borracha sobre
o dano, temos medo de que esse perdão não nos leve a essa melhoria, que nos
assegura também mais hipóteses de sobrevivência. Pensamos também, por vezes,
que perdoar é perder poder, numa situação em que muitas vezes já nos sentimos
desempoderados.» Mas perdoar não é nem deve ser esquecer.
Na verdade, trata-se sobretudo de parar de escarafunchar na ferida e
deixar que a cicatriz se forme. Seligman, o pai da psicologia positiva, defende
que o perdão não faz mais do que enfraquecer o poder que os acontecimentos
negativos têm de provocar raiva e amargura. E permite reescrever a história e
renovar a memória. «Perdoar é sempre ser protagonista de uma nova história.
Deverá ser uma tomada de decisão determinada, que é muitas vezes libertadora,
desconstrutora de narrativas e histórias de vida rigidificadas, que só se
renovam com o perdão. Podemos afastar-nos e proteger-nos de quem nos feriu,
humilhou, destruiu, manipulou, trouxe sofrimento e ao mesmo tempo perdoar»,
defende Helena Marujo.
A investigadora conta que, num exercício com alunos da universidade, em
que estava envolvida a experiência da escrita privada de uma carta de perdão (a
si ou a outrem, à escolha do próprio), uma descoberta foi precisamente a de
poder olhar para um passado doloroso e arruinado – como o de um pai que se
suicidou, o de um marido maltratante, o de uma avó que nunca aceitou um neto
com deficiência – e reescrevê-lo de uma forma não vitimizadora mas vitoriosa.
«Assim se criam novas memórias, e ao mesmo tempo, um novo futuro.»
Não é que a maldição se transforme numa bênção, mas lá dizia Martin
Luther King que o perdão é um catalisador para uma nova partida, para um
reinício. E às vezes disso que precisamos. Bom ano novo.
Como perdoar?
Com base nos estudos de Robert Enright, co-fundador do International
Forgiveness Institute, Catarina Rivero faz notar que o processo de perdão é um
caminho que começa sempre pela dor e pelo reconhecimento de que temos direito a
sentir mágoa, tristeza ou mesmo revolta, mas que implica também a capacidade de
compreender que os outros falham, mesmo que não aceitemos essa passagem de
limites. As quatro fases deste processo – que podem levar diferentes tempos, de
acordo com as circunstâncias e vicissitudes da situação e da relação específica
– são:
» Desocultação da raiva, considerando a sua influência na nossa forma de
viver e sentir;
» Decidir perdoar, a partir de dentro e no tempo de cada um;
» Trabalhar o perdão
desenvolvendo empatia e compaixão;
» Descobrir e libertar-se da prisão emocional (Notícias Magazine)
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