segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Coreia do Norte: “milhões presos num gigante campo de concentração”



"A Coreia do Norte é, possivelmente, o sítio mais estranho do planeta, por isso me senti inclinado a visitá-lo. Embora o país pareça ordenado à primeira vista, deixa uma impressão profundamente perturbadora. 'Ordem' é a palavra-chave. Ali nada parece ser espontâneo, tudo parece robotizado, as pessoas movem-se de um lugar ao outro em filas ordenadas e ninguém sorri, ninguém se ri. Quando se visita algum país no mundo, a menos que se trate de um local pejado de turistas, as pessoas sentem curiosidade em conhecer-te, olham-te com fascínio, tentam aproximar-se. Na Coreia do Norte, não. Ali tratam-te como se fosses um leproso. Tens hotéis e restaurantes onde permaneces separado da população e as pessoas tentam manter-se à distância, evitam contacto visual. Não há crianças a brincar, quase não se vêem animais de estimação. Para nós, baseados na nossa liberdade de expressão e movimento, uma visita à Coreia do Norte é sufocante. Não podes ir a lado nenhum sem um guia e practicamente tudo requer uma permissão. És forçado a 'engolir' o culto de personalidade ridículo em torno da figura de estado — alguns acreditam que Kim Il-sung, o primeiro líder da Coreia do Norte, criou o mundo —, os guias nunca páram de alimentar-te com mais e mais histórias de propaganda que enaltecem a bravura daquela pequena nação que não se verga perante os imperialistas. Aprendes que na Coreia do Norte não existem tribunais, juízes, não existem prisões ou crime. Tampouco existe homossexualidade. Permaneci apenas apenas quatro dias e foi mais do que suficiente. A dieta monótona de arroz com 'kimchi' (tudo cultivado utilizando excementos humanos como fertilizante) estava a começar a afectar-me, assim como os guias sempre a dizer-nos quando dormir, levantar, ocasionalmente fazendo vénias às estátuas de Kim Il-sung e às do seu filho defunto Kim Jong-il. Christopher Hitchens apelidou o país de 'necrocracia', uma vez que Kim Il-sung ainda é oficialmente o presidente. Podes fotografar algumas das suas estátuas, mas o seu corpo volumoso só pode ser retratado de baixo para cima ou a fotografia será apagada na fronteira ou pelo teu guia, no local. O país é uma enorme 'Vila Potemkin', onde a felicidade e a prosperidade são teatralizadas para a tua satisfação e experiência. É como um parque de diversões que não podes abandonar e que não consegues parar. Algumas vezes a nossa 'mini-van' (de onde raramente podíamos sair) parava porque um grande grupo de pessoas decidia 'espontaneamente' começar a dançar música patriótrica. Víamos então dezenas de pessoas que tinham sido agrupadas para nosso entretenimento; as mulheres usavam roupas tradicionais, dançavam debaixo do calor intenso e dois carros acercavam-se, com altifalantes que providenciavam música. Um homem tinha a camisa mal abotoada e, embora tenha sorrido para a câmara, o seu corpo malnutrido chamou-me a atenção, tinha as costelas salientes. Segundo alguns relatórios, um em cada quatro homens é considerado mentalmente inapto para serviço militar devido a má nutrição... Este espectáculo foi montado especialmente para nós e isso fez-me sentir mal. O facto de a Coreia do Norte poder existir neste tipo de condição é, na minha opinião, um embaraço para todos nós, neste planeta. Fomos autorizados a sair e a sensação de abandonar a Coreia do Norte foi de êxtase. Podia finalmente, tomar as minhas próprias decisões. Deixámos para trás milhões de norte-coreanos presos num gigante campo de concentração, escravizados e humilhados há várias gerações, chefiados por um homem obeso e sem qualquer esperança de um futuro melhor. Espero um dia regressar à Coreia do Norte, numa altura em que a sociedade seja livre, e poder falar com as pessoas de quem fomos apartados, ouvi-las e contar as suas histórias." Testemunho do fotógrafo Michał Huniewicz recolhido por Ana Marques Maia (Público)

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