quarta-feira, 13 de maio de 2015

Teoria de Hersh sobre morte de Bin Laden não preocupa Casa Branca

"Quem mais tinha a ganhar com a captura e a morte de Osama bin Laden, ou a perder com o fracasso da operação, era Barack Obama. Recuando na história moderna dos EUA, a prova mais escabrosa disso foi a falhada operação de resgate de civis norte-americanos presos em Teerão, que em 1980 ditou a derrota do democrata Jimmy Carter para o republicano Ronald Reagan nas presidenciais seguintes. Com as eleições de 2012 à porta, o anúncio de Obama a 3 de Maio de 2011 da morte do líder da Al-Qaeda numa operação secreta da Marinha norte-americana no Paquistão foi, dirão alguns, o factor mais decisivo para a sua reeleição. Mas o que tem sido dito e mantido pela administração americana, algumas vezes posto em causa pelo “New York Times” e outros jornais nos últimos anos, é mentira. Assim o diz Seymour M. Hersh, jornalista veterano vencedor de um Pulitzer em 1970 com uma reportagem sobre o massacre de My Lai pelas forças norte-americanas durante a guerra do Vietname. Num longo artigo de 18 páginas publicado no “London Review of Books”, Sy Hersh divulgou esta semana novas informações e contradições na história da operação de uma equipa especial de Navy SEAL no início de Maio de 2011, faz agora quatro anos, que culminou na morte do homem mais procurado do mundo e nos consequentes festejos de milhões de norte-americanos nas ruas.
O enredo pareceu simples: a CIA obteve pistas de que Bin Laden estava a viver “escondido à vista de todos” num complexo residencial em Abbottabad, no Paquistão; organizou uma missão secreta para o capturar; na noite da operação especial, quando a equipa de marines entrou no edifício, descendo de um helicóptero, Bin Laden e os seus capangas tentaram lutar contra as forças americanas, forçando-as a matá-los. Para evitar mausoléus ao estilo do de Lenine, o corpo foi largado em alto mar. Tudo isto, alega Hersh, não passa de uma farsa. Um dos focos de tensão a seguir à operação foi as autoridades paquistanesas não terem sido informadas dos planos militares dos EUA, numa clara violação da sua soberania. Durante meses houve troca de galhardetes até o Paquistão acalmar, para continuar a garantir os fundos e as armas que os EUA lhe fornecem há vários anos. No entanto, segundo fontes que Hersh contactou, essa é a primeira mentira em torno desta operação especial e da forma como foi vendida ao mundo. O Paquistão não só sabia que os Estados Unidos iam levar a cabo a invasão do complexo de Abbottabad, como foi coagido a cooperar, nomeadamente para deixar o espaço aéreo livre para os SEAL. Isto porque, ao contrário do que sempre foi dito, Bin Laden estaria prisioneiro do ISI (ramo de operações especiais do exército paquistanês) em Abbottabad desde 2006.
Uma das coisas que a administração Obama sempre manteve – e que foi repetida no “Zero Dark Thirty”, filme classificado por alguns como propaganda da realizadora Kathryn Bigelow – foi que as informações que conduziram à captura do líder da Al-Qaeda tinham sido obtidas através da tortura de detidos na prisão extrajudicial dos EUA na baía de Guantánamo, em Cuba. Mas, segundo as fontes contactadas por Hersh durante a sua investigação ao caso, tudo começou com um “walk-in”: um agente secreto paquistanês que entrou nos escritórios da CIA em Islamabad e ofereceu os seus préstimos a troco dos 25 milhões de dólares que o Departamento de Defesa norte-americano oferecia como recompensa desde 2001 por informações que conduzissem à captura de Bin Laden (depois disto o agente desertor e a família foram levados para Washington, onde o homem trabalhará desde então e até hoje como “consultor da CIA”).
Os dados que o agente trazia eram preciosos mas a CIA não costuma confiar em “walk-ins”, pelo que fez chegar de imediato à capital paquistanesa uma equipa de especialistas e um polígrafo, que confirmariam a veracidade da história. Estava--se em Agosto de 2010 e Obama não ficou logo convencido. Não queria arriscar uma operação sem garantias de que Bin Laden vivia mesmo como prisioneiro do ISI no complexo de Abbottabad, exigindo para isso provas de ADN. Tão-pouco tinha ainda a certeza se deveria fazer uso das informações recebidas pela fonte para fazer o Paquistão saber que os americanos sabiam de tudo. Foi durante o Outono de 2010 que os paquistaneses foram obrigados a embarcar no plano americano. Os generais Ashfaq Parvez Kayani, chefe do exército paquistanês, e Ahmed Shuja Pasha, líder máximo do ISI, continuavam a garantir que não sabiam do paradeiro de Bin Laden, escondendo o que o “walk-in” contou à secreta americana: que o líder da Al-Qaeda viveu escondido entre 2001 e 2006 com as suas mulheres e alguns filhos nas montanhas de Hindu Kush até o “ISI o ter apanhado depois de subornar membros das tribos locais para o traírem”. A versão que a CIA e a administração combinaram que seria a oficial, assim que Bin Laden fosse morto em Abbottabad, seria baseada no facto ficcionado de que os marines tinham morto o terrorista nas montanhas. E o facto verdadeiro de que o Paquistão mantinha o saudita preso, com ajudas de custo da própria Arábia Saudita, ficaria ocultado nas décadas vindouras.
A questão bicuda da mentira que Hersh alega ter sido montada foi sempre a Arábia Saudita. “Os sauditas não queriam que a presença de Bin Laden [no Paquistão] nos fosse revelada [aos EUA], porque temiam que Bin Laden começasse a denunciar tudo o que os sauditas faziam com a Al-Qaeda”, conta um ex-líder da CIA, agora reformado, que é uma das principais fontes do artigo de Hersh. E os paquistaneses, por seu lado, não queriam pôr em risco as relações com os talibãs, dos quais dependem no caso de uma guerra com a Índia por causa de Caxemira. A aumentar a tensão estava ainda o arsenal nuclear do Paquistão, que os EUA permitiram que fosse criado mas temem que possa vir a ser usado no caso de uma guerra na região contra Israel. Diz a fonte que, apesar de tudo isto, “não foi preciso muito tempo para conseguir a cooperação necessária” de Islamabad. Entre subornos por baixo da mesa e a manutenção dos tão necessários fundos às forças paquistanesas, os EUA ainda usaram de chantagem, ameaçando denunciar que mantinham Bin Laden “preso no seu quintal” se os paquistaneses não aceitassem cooperar, o que deixaria os talibãs e a Al-Qaeda muito zangados. Assim se firmou o silêncio e o conluio do Paquistão numa operação que, quatro anos depois, continua e deverá continuar a fazer correr muito mais tinta. Entre as várias “mentiras” denunciadas por Hersh contam-se ainda os “factos” de que Bin Laden estava “decrépito” e de tal forma doente que os sauditas pagavam ao seu médico privado para este viver numa casa ao lado do complexo de Abbottabad – situado a menos de 4 quilómetros da Academia Militar Paquistanesa e a menos de 15 minutos de helicóptero de Tarbela Ghazi, uma base importante onde o ISI prepara operações secretas e treina o pessoal que protege o seu arsenal nuclear. Bin Laden, é referido, estava de tal forma doente que não tinha sequer hipótese de pegar numa arma, se armas houvesse no complexo-prisão onde era mantido, e portanto a versão de que os marines queriam tê--lo capturado vivo mas foram forçados a matá-lo porque ele tentou resistir não é factual. É ainda avançado que é “provável” que o seu corpo tenha sido esquartejado e partes dele atiradas para as montanhas de Hindu Kush pelos SEAL na viagem de helicóptero que os levou para o Afeganistão após a operação. Ao longo do dia de ontem, vários media debruçaram-se sobre a reportagem do jornalista veterano numa série de artigos que em parte põem em causa as alegadas mentiras denunciadas. Muitos dizem que o artigo levanta mais questões que aquelas a que responde. E até ver a operação continuará a ser montada e desmontada sem que a Casa Branca reaja oficialmente" (texto da jornalista do Jornal I, Joana Azevedo Viana, com a devida vénia)

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